terça-feira, dezembro 12, 2006

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A desconfiabilidade do mundo.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

A louca do ônibus

Em “A noite antes da Floresta”, de Koltés, a história gira em torno de um estrangeiro, que chama uma pessoa na chuva e pede por um lugar para passar a noite. Queria ter apenas 5 min de conversa verdadeira.

Quem se entregar, consegue ser atingido no que tem de mais íntimo. Afinal, todo mundo não é totalmente daqui. Todo mundo é um pouco estrangeiro.

A peça foi uma experiência guardada, e por mais que possa ser enxergada no cotidiano, isso geralmente acontece apenas internamente. Hoje não. Conheci uma estrangeira sem medo de falar.

Chegou no ônibus dizendo que pagar a passagem era um contra-senso. Deveria poder andar de graça, assim como todo mundo. Falou com um grande sorriso, e seu olhar brilhava para quem quisesse ver. Para o ônibus, um olhar um tanto intimidante. Resolvi corresponder, assumindo apenas parcialmente meu papel de corpo estranho. E ela veio em minha direção, como se o corredor fosse seu palco. Eu em pé.

– O mundo é feito de letras e números. Só vou poder parar de contar e escrever quando você olhar pra mim – disse ela, depois de alguns minutos de conversa.

– Prazer, estrangeira – respondi.

E ela guardou um caderninho recheado de anotações.

– Você quer ler meu bloquinho?

– Desculpa, não tenho tempo. E vai ser um desperdício ficar apenas pela metade.

– A gente tem tempo pra fazer o que quiser.

Eu me silenciei. Depois de alguns segundos, finalmente disse:

– Desculpa por não poder ler seu bloco.

Ela sorriu.

– Tudo bem. Você não precisa ler pra me descobrir. Basta me olhar.

E eu olhei.

– Qual é seu nome? – ela perguntou.

– Francisco...

(Continuamos nos olhando por alguns segundos)

– Na verdade não gosto do meu nome. Parece de velho, de padre.

– Deveria aprender a gostar do seu nome. Faz parte de você.

– Posso muito bem gostar de mim, e apenas não simpatizar com um símbolo como meu nome.

Ela despistou. Já havia dito que abominava os símbolos. Como as letras e números que usava com maestria, até que pudesse jogar fora seu bloquinho.

– Chegou meu ponto. Desculpa, tenho que ir – me despedi.

– Até amanhã, aqui mesmo – disse a garota, dançando lentamente, enquanto seus gestos diziam que queria continuar ali conversando comigo, pro ônibus inteiro ouvir.

Saí sem saber como se chamava. Devia ter a minha idade, ou talvez um pouco mais velha. Na verdade não importava. Parecia mesmo era que pertencia a outro mundo. Ou quem sabe, tinha apenas tomado ácido.